A lista é longa e reflete a supervalorização do consumo. Acumulamos cada vez mais de tudo – não só bens e comida – o que gera um sentimento permanente de insatisfação. Como em qualquer problema de fundo emocional, o primeiro passo e admitir que ele existe e o segundo, procurar orientação profissional.
De forma bem simplificada, a compulsão pode ser definida como um desejo exagerado e persistente por algo.
Vivemos um tempo em que o excesso não é considerado problema e comprar é uma das maneiras de ter status. A expressão “curtir a vida”, tão vaga, tem muito a ver com o consumo e, na maioria das vezes, é sinônimo de adquirir. Consumir, inclusive, é um termo abrangente e que ganhou novas nuances, expandindo-se até para as relações afetivas.
“Não consumimos apenas bens, água e comida, mas também afeto, erotismo, atenção e emoções, “ diz Mirian Pontes de Farias, psicóloga especializada em hipnose.
O comportamento compulsivo é um hábito que se aprende e que se torna um modo de gratificação emocional, normalmente um alívio para a ansiedade ou a angústia, como explica a psicóloga cognitivo comportamental Renata Paes. “São hábitos que já foram executados inúmeras vezes e que acontecem quase automaticamente. Há diversos tipos de compulsão e é difícil dizer o mais comum. Podemos citar o uso de álcool e drogas, o comprar, comer, malhar e trabalhar, o jogo patológico…”, como comportamentos compulsivos. Tudo isso para, por exemplo, compensar uma angústia, uma tristeza, uma frustação.
Renata Paes afirma que os psicólogos vêm observando um número cada vez maior de pessoas que desenvolvem esses comportamentos como uma forma de escapar de um problema ou mesmo de tentar resolvê-lo. “Podemos dizer que, na atualidade, a compulsão é um comportamento comum em homens e mulheres cada vez mais jovens, na faixa já dos 20 anos, e até mesmo entre crianças, “ diz.
Mirian de Farias observa que, muitas vezes, a procura por uma terapia é para tratar de outras questões, mas o que está implícito é a compulsão. “Adolescentes que chegam ao consultório devido a uma dificuldade de aprendizado, na verdade, têm compulsão por internet. Há pessoas que se queixam de depressão ou tristeza, mas bebem compulsivamente, “ diz.
A compulsão por jogos e drogas é a mais comum em homens. Entre as mulheres, compras e comida lideram, enquanto a internet é comum aos dois sexos. Existem, ainda, os que apresentam compulsão por sexo, tanto adolescentes como adultos. “ Muitos idosos têm apresentado compulsão por jogos, principalmente as mulheres, devido aos bingos, “ relata.
Como lidar com as emoções negativas
É uma doença a princípio silenciosa, que se instala sem fazer alarde e não mostra seus estragos a curto, ou mesmo a médio prazo. Causa sofrimento na vida psíquica ao gerar sensação de fracasso e consequente angústia, baixa autoestima, tristeza e depressão. E prejudica a vida pessoal porque afeta as finanças, os relacionamentos e a saúde do corpo. “ Há casos de pessoas que deixam de comer ou de tomar banho, pois não querem sair da frente do computador, ” relata Mirian de Farias.
Renata Paes explica que a compulsão também está ligada à dificuldade de lidar com a própria impulsividade, com os sentimentos negativos que se deseja compensar, como a tristeza, e com os possíveis “gatilhos”. Por exemplo, quem tem compulsão por compras tem mais dificuldades de se controlar se estiver em um shopping. O mesmo acontece com os que comem chocolates compulsivamente e têm esse alimento em casa, ao alcance da mão. Parte do tratamento é evitar os ambientes que podem levar à compulsão, mudança de hábitos e frequentar novos ambientes.
É comum um tipo de compulsão ser acompanhado por outros, não identificados claramente porque, naquele momento não estão interferindo tanto na rotina. “É possível que alguém compulsivo por compras seja, por exemplo, compulsivo por comida ou sexo, ” observa a psicóloga.
Mas será que o compulsivo está ciente da sua dificuldade? As especialistas afirmam que sim. “ Ele muitas vezes tem consciência do seu comportamento, mas não o vê como um problema, mesmo que lhe cause sofrimento e culpa. Quando chega ao ponto de provocar problemas físicos, financeiros ou afetivo ele sofre, mas não consegue sair sozinho dessa situação. No passado, se chamava ‘vício”. Hoje, denominamos ‘comportamento adicto’ “, diz ela.
Terapia é de grande ajuda
O tratamento depende do nível da compulsão, que pode ser leve, moderado ou grave, e das chamadas “comorbidades”, doenças associadas, como a depressão, muito comum, por exemplo, nos compulsivos por comida, em função da frustação devido a dietas fracassadas. “ Elas geram desânimo e tristeza, podendo avançar para um quadro depressivo, “ esclarece Mirian de farias.
O tratamento medicamentoso, associado à psicoterapia cognitiva-comportamental, é uma das opções terapêuticas. “ A compulsão se torna preocupante quando começa a interferir na vida sócio ocupacional, no trabalho, nas relações afetivas e interpessoais. Não se pode falar em cura, mas é possível dar meios à pessoa para que lide melhor com suas emoções negativas e aprenda a manejá-las, o que vai se refletir em sua a qualidade de vida, “ diz Renata Paes.
O foco da terapia são, também, as emoções, os sentimentos e as situações mais comuns aos quadros, compulsivos, como ansiedade, medo, insegurança, estresse, angústia, sentimento de fracasso, desânimo, procrastinação, raiva, revolta, etc.
Quem enfrenta algum tipo de compulsão deve procurar um profissional especializado, recomenda a psicóloga: “ Um mundo que cobra felicidade e sucesso de todos e que valoriza os bens materiais facilita o aparecimento de comportamentos compulsivos. Provavelmente, a referência de vida ideal de um compulsivo é de alguém que tem o mesmo problema. Um tratamento que associe medicação e psicoterapia pode resolver não só a compulsão, mas o que a desencadeou, proporcionando qualidade de vida ao doente e também àqueles que o cercam. “
Um dos males da sociedade contemporânea, que privilegia o ‘ter’, em vez do ‘ser’, o comportamento compulsivo pode gerar muita frustação. É essencial buscar ajuda profissional.
Medidas simples trazem alívio
De acordo com as especialistas, as indicações variam de acordo com o tipo de personalidade, mas atividades relaxantes são adequadas para todos. Pode ser meditação, ioga, pilates e caminhadas ao ar livre para “limpar a mente”. Ou modalidades com mais adrenalina, como esportes radicais e aulas de spinning. Qualquer que seja a preferência de cada um, incorporar alguns hábitos ao cotidiano é sempre positivo.
– Adote uma dieta saudável
– Tire mais momentos de laser
– Cuide da aparência física
– Não se considere injustiçado ou vítima
– Quando alguém comentar sobre seu comportamento, é sinal de que você está precisando de ajuda. O mais importante é se conscientizar de que sozinho é difícil administrar a compulsão
– Lembre-se de que há tratamento
– Pratique atividade física para descansar a mente, que, nos compulsivos, costuma estar ‘a mil’
– A hipnose, e suas técnicas de relaxamento, pode ser uma opção.
– Aprenda a praticar a respiração abdominal, que é relaxante.
– Modifique seus hábitos, procure novas fontes de interesse. Saia da zona de conforto, que muitas vezes alimenta o comportamento compulsivo.
Consultoras
Miriam Pontes de Farias, psicóloga especializada em hipnose e conferencista; Renata Paes, psicóloga cognitivo-comportamental e neuropsicóloga.
FONTE: Les Nouvelles Esthétiques, ANO XXVI – Nº147 – OUTUBRO 2015 – pág. 64 – 66.